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sábado, 22 de janeiro de 2011

A Veracidade das Escrituras - João Calvino - 1509 - 1564





  PROVAS  SÓLIDAS  E  RACIONAIS  QUE  SERVEM  PARA CONFIRMAR A VERACIDADE DAS SAGRADAS ESCRITURAS

A não ser que os homens possuam a certeza da qual falei, certeza esta que é mais alta e mais forte do que aquela que a razão humana possa oferecer, é vão defender a autoridade das Escrituras por argumentos ou estabelecê-la pela aprovação da Igreja; pois a não ser que este fundamento seja posto, a incerteza permanecerá no coração. Por outro lado, uma vez que tenhamos abraçado as Escrituras de uma forma que não fazemos com nenhum outro livro, com uma reverência à altura da dignidade delas, aquelas considerações que originalmente eram insuficientes para convencer nossos corações agora se tornam muito benéficas à nossa fé. Ficamos maravilhosamente consolidados quando consideramos a ordem e o arranjo dos seus tesouros de sabedoria divina, a pureza excelsa de suas doutrinas, a bela concordância de todas as suas partes e outros aspectos que as revestem de majestade. E nossos corações ficam ainda mais consolidados quando observamos que nossa admiração é excitada, não pelas belezas da linguagem, e sim pela dignidade das coisas reveladas. É, pois, uma providência singular da sabedoria de Deus que os mistérios sublimes do reino dos céus fossem revelados, na sua maior parte, num estilo simples e humilde. Se tivessem sido adornados com o esplendor da eloqüência, os  ímpios teriam feito a objeção capciosa de que seu poder se devia apenas à beleza da linguagem em que foram apresentados. Conforme as coisas são na realidade, a simplicidade natural e quase corriqueira das Escrituras pede de nós mais reverência do que toda a eloqüência dos oradores; e apenas podemos concluir que as verdades ensinadas são por demais poderosas para precisarem da ajuda artificial de palavras habilidosas. Assim sendo, o apóstolo Paulo argumenta que a fé dos coríntios se firmava, não na sabedoria dos homens, e sim no poder de Deus, porque a pregação dele fora feita, não com palavras persuasivas da sabedoria humana, mas em demonstração do Espírito e de poder (1  Cor. 2:4).

Vê-se que este poder é peculiar às Escrituras, pelo fato de que nenhum escrito humano, por mais bela que seja sua linguagem, pode afetar-nos da mesma maneira. Leia os escritos dos maiores oradores e filósofos do mundo; reconheço que te atrairão, deleitarão e comoverão as tuas afeições de modo maravilhoso; mas se te dedicares, em seguida, à leitura da Palavra de Deus, ela te afetará tão poderosamente, entrará tão profundamente no teu coração, tomará posse de tal maneira dos teus sentimentos mais íntimos, que o poder da oratória e o da filosofia parecerão como nada em comparação com ela.

Admito que alguns dos profetas usam um estilo literário tão elegante, polido e até mesmo esplêndido, que sua eloqüência não é inferior àquela dos grandes escritores do mundo. Mediante tais exemplos o Espírito demonstrou que não foi falta de eloqüência que O induziu a empregar em outros lugares um estilo simples e tosco. No entanto, quer leias a bela dicção de Davi e Isaías, quer a linguagem sem adornos de Jeremias ou Amos, a majestade do Espírito é conspícua em todos os lugares. Todos os profetas ultrapassam em muito os limites da excelência humana, e um leitor que não pode desfrutar dos escritos deles deve estar destituído de todo o bom gosto.

Até mesma a antigüidade das Escrituras não está sem peso. Todo documento religioso é muito posterior à era de Moisés, embora muitas histórias fabulosas tenham sido contadas acerca da teologia do Egito. Nem sequer Moisés apresentou um Deus novo, mas sim o Deus eterno, acerca de quem os israelitas ouviram de seus pais mediante as tradições transmitidas de geração em geração; ele simplesmente chama-os de volta à aliança que Deus fizera com Abraão; doutra forma, não teriam escutado.

O modo desinteressado de Moisés comprova sua honestidade. Quando, pois, registra a profecia de Jacó, não procura engrandecer sua própria tribo, a tribo de Levi; pelo contrário, ferreteia-a com a marca da infâmia —"Simeão e Levi são irmãos; as suas espadas são instrumentos de violência. No seu secreto conselho não entre minha alma com a sua congregação minha glória não se ajunte" (Gen. 49:5-6). Certamente poderia ter deixado passar em silêncio esta parte, de tal maneira que salvasse a reputação da sua tribo, bem como seu próprio bom nome e o de toda a sua família. De modo semelhante, registra fielmente as murmurações de Arão e Miriã (Num. 12:1). Além disso, embora possuísse a mais alta autoridade, atribuiu a honra do sacerdócio, não aos seus próprios filhos, e sim aos filhos de Arão.
Os numerosos milagres que ele registra são tantas confirmações da autoridade das suas leis e da veracidade da sua doutrina; subiu em densas trevas ao monte, e ficou lá em solidão durante quarenta dias; seu rosto brilhou como o sol; raios caíam em derredor, e o ribombar dos trovões enchia o ar; uma trombeta não tocada por boca humana tornou-se cada vez mais estridente; quando entrava no tabernáculo, uma nuvem ocultava-o dos olhos do povo; sua autoridade foi milagrosamente vindicada pela terrível destruição de Core, Data e Abirão e toda a facção deles; a água jorrava da rocha diante do toque da sua vara; o maná chovia do céu diante da oração dele. Porventura tudo isto não é o testemunho do próprio Deus à inspiração do Seu servo? Se alguém objetar que estou tomando por certo coisas que são discutíveis, a resposta é fácil: quando Moisés proclamou todas estas coisas diante da congregação de Israel, como teria sido possível para ele impor um falso relato sobre aqueles que foram testemunhas oculares das cenas referidas? Será provável que ele veio diante do povo com acusações de descrença, rebeldia, ingratidão e outros crimes, e, ao mesmo tempo, reivindicou para sua doutrina a sanção de milagres que o povo nunca tinha visto? É também digno de' nota que os milagres aos quais Moisés se refere são freqüentemente ligados com eventos desonrosos ao povo de tal forma que este teria protestado contra suas declarações se tivesse sido possível assim fazer. Fica claro, portanto, que os israelitas somente admitiram a veracidade das suas palavras porque estavam plenamente convictos dela pela sua própria experiência.

Agora aduzirei algumas provas da inspiração dos demais profetas. Nos tempos de Isaías, o reino de Judá estava em paz, e até mesmo confiava na Caldéia como fonte de ajuda; mesmo assim, Isaías previu a destruição da cidade pelos caldeus e o exílio do povo para a Babilônia. Mencionou, também, Ciro pelo nome, como um libertador que haveria de conquistar os caldeus e restaurar a liberdade aos cativos. Depois desta profecia, passaram-se mais de cem anos até que Ciro nascesse. Ninguém poderia então prever que haveria um certo Ciro, que guerrearia contra a Babilônia, que subjugaria seu poderoso império, e que poria fim ao cativeiro dos israelitas. Porventura esta simples narrativa, sem qualquer adorno de palavras, não nos mostra que os pronunciamentos de Isaías não eram conjecturas humanas, e sim os oráculos de Deus?

Acaso, quando Jeremias, pouco antes do povo ser levado para o cativeiro, predisse que a duração do cativeiro seria de setenta anos e previu a volta, não teria sido sua lingua guiada pelo Espírito de Deus? A esta prova Isaías também apela, quando diz: "Eis que as primeiras coisas passaram e novas coisas eu vos anuncio; e, antes que venham à luz, vo-las faço ouvir" (Is. 42:9). E Daniel não previu o futuro seiscentos anos antes e compôs suas profecias as¬sim como se estivesse escrevendo uma história de eventos passados e bem conhecidos?

Estou ciente das objeções feitas por certos homens in-dignos, que desejam demonstrar sua própria esperteza ao assaltar a verdade de Deus. Perguntam: quem pode provar que Moisés e os profetas realmente escreveram os livros que levam seus nomes? Ademais, até mesmo ousam levantar a questão da existência real de uma pessoa tal como Moisés. Todavia, se perguntássemos: já existiu um Platão, um Aristóteles, um Cícero, seríamos considerados culpados da estultícía mais absurda. A lei de Moisés foi  milagrosamente preservada pela providência de Deus; e embora por algum tempo ficasse soterrada devido a negligência dos sacerdotes, não obstante, desde o dia em que o bom rei Josias a descobriu, ela tem estado nas mãos dos homens por sucessivas gerações.

Uma objeção tem sido fundamentada na história dos Macabeus. Visto que Antíoco ordenou a queima de todos os livros sagrados, de onde vieram então os exemplares que agora possuímos? Podemos facilmente voltar este argumento contra nossos adversários e perguntar-lhes: nesse caso, em que oficina poderiam ser tão rapidamente fabricados? Pois é bem conhecido que tão logo a fúria da perseguição passou, foram achados em existência, e foram reconhecidos como genuínos, sem contestação por todos os piedosos que foram criados na sua doutrina e que pos¬suíam íntimo conhecimento do seu conteúdo. Quem pode deixar de reconhecer a maravilhosa obra de Deus na pre¬servação deles naquela época e no suceder de todos os desastres subseqüentes dos judeus? E por qual instrumentalidade Deus conservou para nós a doutrina da salvação e da revelação de Cristo contidas na lei e nos profetas? Pelos judeus, os inimigos mais figadais do próprio Cristo.

Quando chegamos ao Novo Testamento, descobrimos que sua veracidade está firmada em alicerces igualmente sólidos. Três dos evangelistas relatam sua história num estilo humilde e sem adornos. Os orgulhosos freqüentemente desprezam esta simplicidade; não observam a substância da doutrina, que claramente prova que os escritores estão tratando de mistérios celestiais que transcendem a capacidade da mente humana. Mesmo assim, os sermões de Cristo, que são sumarizados de modo breve por estes evangelistas, facilmente erguem os seus escritos acima do des¬prezo. João, porém, trovejando das alturas, confunde, como através de um raio, a obstinação de todos quantos não conseguem trazer à obediência da fé. De modo semelhante, os escritos de Paulo e Pedro compelem nossa admiração devido sua celestial majestade. E, no entanto, Mateus veio da recebedoria de impostos, e Pedro e João dos seus barcos de pesca; enquanto que Paulo, de inimigo aberto e perseguidor sanguinário, foi transformado num novo homem, e ele afirma que foi  compelido  pelo mandamento  celestial  a  sustentar  a  doutrina  que  dantes   empenhou-se   para destruir.

E não nos esqueçamos que, embora Satanás e o mundo tenham procurado de várias maneiras esmagar, transtornar ou obscurecer a Palavra de Deus, entretanto, ela sempre tem-se saído vitoriosa da luta e permanecido invencível.

Há outras razões, não poucas nem fracas, que confirmam a dignidade das Escrituras nos corações dos piedosos e que vindicam a sua autoridade contra as maquinações dos difamadores; mas tais razões não conseguem transmitir a fé até que nosso Pai celestial, ao revelar Seu poder na Sua Palavra, a ergue acima de suspeita. Realmente, é absurdo procurar provar para os descrentes que as Escrituras são a Palavra de Deus; porquanto isto somente pode ser percebido mediante a fé.


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