Nos vales alpinos da região de Piemont, na Itália, também houve igrejas que continuaram o seu testemunho desde a época dos apóstolos. Estas, como os Paulícios, nunca se associaram ao esquema oficial baseado em Roma. Elas foram deixadas em paz, comparativamente sem perseguição, principalmente devido ao isolamento causado pela inacessibilidade das montanhas onde habitavam, pois, como bem sabemos, naquela época não existiam as facilidades de transporte de que hoje dispomos.
No ano de 1689 um escritor declarou: “Os Valdenses são, de fato, descendentes daqueles que fugiram da Itália depois que São Paulo pregou o Evangelho entre eles. Eles abandonaram a seus pais e foram morar nas montanhas, onde, daquela época até hoje, têm pregado o Evangelho de pai para filho na mesma pureza e simplicidade como foi pregado por São Paulo”.
O nome “Valdense”, com que foram alcunhados por outros, vem de PEDRO VALDO, de Leão, na França, um professor eminente entre eles no século 12.
Pedro Valdo era um comerciante e banqueiro bem sucedido e nunca havia pensado em Deus até o dia quando um de seus convidados morreu repentinamente numa festa por ele promovida. Ele viu, então, a sua grande necessidade de salvação e converteu-se a Cristo. Tornou-se um estudioso das Escrituras até que, em 1173 vendeu quase todos os seus bens, apenas fazendo provisão para a sua esposa e saiu pregando o Evangelho. Logo outros juntaram-se a ele. De início tentaram acomodar-se ao sistema vigente na Igreja Católica, mas já em 1184 foram excomungados. O grupo passou a ser visto como uma “seita” que ficou conhecida como “Os pobres de Leão”. Como resultado do seu testemunho houve conversões até na Alemanha. Pedro Valdo foi um dos poucos pregadores que faleceu de morte natural, em 1217, na Boêmia (hoje República Checa).
A influência de Pedro Valdo sobre aquelas igrejas foi grande, especialmente com respeito à responsabilidade de evangelizar. Até então elas estavam contentes em ficar apenas na região deles, mas receberam grande impulso para a evangelização quando Pedro Valdo e seus companheiros compartilharam com elas uma nova visão de outros lugares necessitados da palavra da cruz.
Em termos de doutrina prática, seguiam a simplicidade que criam ser o padrão do Novo Testamento.
1. Cada igreja local era governada por anciãos.
2. O batismo de crianças de colo era rejeitado e somente os crentes verdadeiros podiam ser batizados.
3. Em questões de disciplina, reconhecimento de anciãos, etc., toda a igreja participava juntamente com os anciãos. É lógico que este ponto de vista seria certo somente se os assuntos de disciplina fossem tratados primeiramente pelos anciãos, para que fosse dada orientação bíblica e fosse eliminada a possibilidade de serem as decisões tomadas com base em falsas acusações.
4. Na celebração da Ceia do Senhor o pão era compartilhado por todos, tanto quanto o vinho, ao contrário da prática adotada pela Igreja Católica.
5. Além dos anciãos nas igrejas locais, existia um grupo de irmãos, que eles chamavam de “apóstolos” (equivalente a “obreiros” nos dias de hoje). Estes irmãos viajavam de igreja em igreja trabalhando no ensino da Palavra. Viviam uma vida de pobreza voluntária por causa do Evangelho.
6. Era dada ênfase à leitura diária da Bíblia e ao culto familiar. Conferências eram promovidas com freqüência para ensino da Palavra e estímulo da comunhão entre os irmãos.
Significativo é o depoimento de Raisero Sachoni. Ele foi por dezessete anos um dos mais ativos pregadores dos "Cátaros" ou "Valdenses". Mais tarde uniu-se à ordem dominicana apostatando da fé. Tornou-se um acérrimo inimigo dos Valdenses, e por isso o papa fe-lo inquisitor da Lombardia. Por muitos anos, até sua morte, acusou e mandou matar seus ex-irmãos anabatistas. Foi um Judas. Sua opinião sobre a origem dos valdenses é como se segue:
"Entre todas as seitas não há mais perniciosa à igreja (católica é claro) do que os valdenses. Por três razões: Primeira, porque é a mais antiga, pois alguns dizem que data do tempo de Silvestre, 325 A.D. (Silvestre foi o papa que junto com Constantino condenou os donatistas, montanistas e novacianos), outros ao tempo dos apóstolos. Segunda, é a mais largamente espalhada, porque dificilmente haverá um país onde não existam. Terceira, porque, se outras seitas horrorizam aos que a ouvem, os valdenses, pelo contrário, possuem uma grande aparência de piedade. Como matéria de fato, eles levam vidas irrepreensíveis perante os homens e no que respeita a sua fé, aos artigos do seu credo, são ortodoxos. Sua única falta é que blasfemam contra a igreja e o seu credo".
O testemunho desse apóstata é muito importante. Não é fácil para um legado católico dizer que "datam do tempo de Silvestre ou dos apóstolos". Outro escritor, dessa vez um francês, Michelet, diz na Historie de France, II, pg 402, Paris 1833: "Os valdenses criam numa continuidade secreta através da Idade Média, igual a da Igreja Católica". E Neander adiciona na History of the Christian, pg 605, Vol. IV, 1859: "Não é sem fundamento a afirmação dos valdenses deste período (1100 em diante), a respeito da antigüidade de sua seita, e que tinha havido, desde o tempo da secularização da igreja, a mesma oposição (a igreja Romana) que eles sustentavam".
Os historiadores que se tem especializado na história dos valdenses sustentam a idéia de que as doutrinas dos valdenses não se originaram com Pedro Valdo. Diz Faber, The Waldenses and Albigenses:
"A evidencia que acabo de produzir, prova, não somente que os valdenses e albigenses existiram antes de Pedro de Lião; mas também, que no tempo do aparecimento dele nos fins do século doze, havia duas comunhões de grande antigüidade (O autor refere-se aos albingenses e valdenses ao dizer que existias duas comunhões). Segue-se, portanto, que mesmo nos séculos doze e treze, as igrejas valdenses eram tão antigas, que a sua origem remota foi atribuída, mesmo pelos seus inimigos inquisitoriais, ao tempo além da memória do homem. Os romanistas mais bem informados do período, não ousaram fixar a data da sua origem. Eram incapazes de fixar a data exata dessas veneráveis igrejas. Tudo que se sabe é que eles tinham florescido ao longo do tempo, e que eram muito mais antigos do que qualquer seita moderna".
Portanto, a se alguém quer saber a origem dos valdenses saiba que, apesar de receberem esse apelido somente a partir de 1100, já eram conhecidos como albigenses, paulicianos, donatistas, novacianos e montanistas. Tinham de diferente apenas o apelido, mas eram todos de uma mesma comunhão. Também todos, sem exceção, foram chamados de "anabatistas". O fato de aparecer paralelamente no mesmo período albigenses e valdenses, não quer dizer que os valdenses não seja uma continuação dos albigenses. Quer dizer que durante um período de mais ou menos meia década, enquanto o apelido albigense caía em desuso, crescia o nome valdense. É o que chamo de período de transição. O estudante notará que a mesma coisa aconteceu no século XVI. Neste período, enquanto caía o apelido anabatista, surgia o apelido batista.
A doutrina dos valdenses
Suas doutrinas eram idênticas a dos primitivos anabatistas. Há dois documentos datados de cerca do ano 1260 A.D. escritos por católicos que descrevem os valdenses: Um deles diz: "os valdenses vestiam com relativa simplicidade, comiam e bebiam moderadamente, sempre laboriosos estudiosos, havendo entre eles muitos homens e mulheres que sabiam de cor todo o novo testamento".
O outro documento é o tratado de Davi de Augsburgo, escrito sobre os "pobres de Lião" ou valdenses, e impregnado de ódio e antipatia. Este documento diz que os valdenses proclamavam-se "discípulos de Cristo e sucessores dos apóstolos" e quando eram excomungados, regozijavam-se com o fato de terem de sofrer perseguição como outrora os apóstolos, "nas mãos dos escribas e fariseus". O documento informa que eles rejeitavam os milagres eclesiásticos e os festivais, ordens, bênçãos, etc., dizendo que essas coisas foram introduzidas pelo clero cobiçoso; batizavam os que abraçavam seus princípios, dizendo alguns deles que o batismo de crianças não vale nada, pois elas são incapazes de crer. Não criam que o sangue e o corpo de Cristo estão na eucaristia, limitando-se a abençoar o elemento como um símbolo. Celebravam a ceia, recitando palavras do evangelho; negavam o purgatório, o concubinato, o sacerdotalismo, o legalismo, etc.
A Perseguição dos Valdenses
Porém, a paz no vale dos Valdenses foi interrompida em 1380 pelo Papa Clemente VII. Este enviou um monge inquisidor para tratar com os “hereges”. Nos treze anos seguintes mais de 230 pessoas morreram queimadas vivas. De 1400 em diante a perseguição aumentou, obrigando muitos a fugir para as montanhas onde morreram de frio e fome, especialmente mulheres e crianças. Esta perseguição estendeu-se por mais de cem anos.
Assim como os albigenses os valdenses foram tenazmente perseguidos pela Igreja Católica. A Inquisição matou, queimou, afogou, esfolou, torturou e fez muito mais para destruir os valdenses. Só para o estudante ter uma idéia, o Papa João XXII (1316-1334), tendo um rendimento farto e regular dos impostos criados por ele mesmo, gastava 63% do tesouro papal para financiar a guerra contra os anabatistas e os muçulmanos. (O Papado na Idade Média, pg 140 e 143). O papado obrigou o povo a pagar impostos com o intuito de financiar guerras visando o extermínio dos anabatistas. Em todos os países era passada a chamada "rota romana" com os ad doc - que significa "a isto" - pressionando e atormentando o povo a pagar o tributo para o papa.
No final do século XV os valdenses ainda estavam de pé. Suas forças estavam nos vales dos Alpes. Tinham uma escola prática em Milão e de ramificações em zonas distantes como a Calária e a Apúlia. Possuidores de um noviciado e de seminários independentes, os valdenses punham em campo uma grande quantidade de missionários itinerantes, os quais, conheciam de cor longas passagens dos evangelhos e das epístolas.
Infelizmente muitos se ligaram com os hussitas na Boêmia e com os Lolardos na Inglaterra. Isso degradou em muito a pureza de muitas igrejas valdenses, pois estas igrejas, assim como as protestantes, pregavam uma fé que podia-se pegar em armas para defender direitos. No século XVI a euforia da reforma também varreu uma grande parte dos valdenses. Acredito que isso destruiu o grupo como denominação. Alguns se aliaram com os luteranos na Alemanha, outros a Zuinglio na Suiça, e uma grande parcela com Calvino. Os fiéis, que não se misturaram, continuaram anabatistas puros. Até hoje existe algumas igrejas com o nome denominacional "valdense".
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