Em meus anos de teatro amador (leia-se teatro de igreja) acabei avançando rumo à mais paradoxal das conclusões. A pessoa comum sente-se mais ou menos à vontade para interpretar a tristeza, a perversidade e a fúria, mas irá sentir-se verdadeiramente violada se tiver de levar ao palco a alegria. Atores amadores estão prontos para encarnar os tentados, os atormentados, os drogados, as prostitutas, os maus e os infelizes, mas é absolutamente trabalhoso fazê-los enfrentar mais de um minuto de um final feliz. Estão prontos para o Rei Lear, mas não para Sonho de uma noite de verão.
O amador sente – ou pelo menos alega – que para ele é antinatural, absolutamente falso, levar ao palco o sorriso, a dança e o abraço, ao mesmo tempo em que não vê problema para simular a introspecção e a tragédia. Essa dissimulação revela, obviamente, o que procura esconder: que a alegria é custosa para se levar para o palco porque é na celebração, no júbilo e no perfeito abandono, é no sorriso inteiramente sem rédeas, que mostramos quem realmente somos. O júbilo é a nudez frontal da alma, e quando não estamos alegres é que estamos encenando.
Um ator profissional é, em grande parte, alguém já trouxe para a tona esta percepção que o resto de nós mantém afogada no inconsciente. É o homem pronto a se ver publicamente desarmado.
Quando tivermos alcançado a verdadeira maturidade, quando estivermos dispostos a deixar a última máscara cair, estaremos prontos para nos juntarmos em completo abandono aos protagonistas da celebratória ceia comunitária do clipe da canção Baciami Ancora, ou à jubilosíssima cena final do Muito Barulho Por Nada de Kenneth Branagh – que devem, especialmente esta última, serem vistas para ser cridas.
A alegria nos assusta não porque vemos como particularmente baixo ter de simulá-la, mas porque para encher o rosto, o corpo e o abraço de júbilo é justamente necessário deixar de fingir
http://www.baciadasalmas.com/2011/a-ameaca-da-alegria/
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