Revista e atualizada por Paulo Brabo
Há esse homem que já morreu e debaixo de cuja sombra eu vivo. Muitas e muitas vezes decidi ser imaturidade e o mais raso idealismo deixar-me impelir pelo sopro de um homem cuja carne nunca abracei, cuja olhar nunca me tocou e de quem não conheci as feições das mãos. Não é apenas imaturo, ponderei além da dúvida: é absolutamente doentio.
Tento me livrar dessa sedução que para mim é uma patologia, mas o homem morto fala comigo, não do fundo da terra, como seria de esperar, mas do coração das coisas. E usa para me reconquistar, sem qualquer critério e sem qualquer recato, o sublime e o rasteiro, a vertigem que é Francesco ou a letra de uma música que alguém pagou para ser escrita, Bach e Lost, Borges e Abba. Sua gentileza é de uma breguice sem confins, e basta para envelopar o mundo num céu e o céu num inferno, curando ao mesmo tempo em que devassa e faz arder. Ele não sabe se esconder e está em todo lugar: sua pele os descalços podem tocar, e até as crianças conhecem a sua nudez.
E quando me enfureço por estar seguindo um morto cuja carne nunca apertei e da minha experiência infinitamente distante, lembro de tudo que estava decidido por mim quando cheguei a este mundo – o significado das palavras, o enunciado das leis, as cercas do mundo natural, o arranjo das generosidades, as arbitrariedades dos méritos, a geografia das exclusões – e concluo que são essas coisas que deveriam nutrir-me a indignação e o ceticismo, não o apelo de uma carne como a minha, que treme nos rostos de todos que choram ao o meu redor e que está pronta para segurar de toda a queda e nutrir e embalar e mostrar o céu, com toda a terra da Terra.
Então me envergonho miseravelmente, por ter julgado que algo além da carne e do pó bastassem para abrigar a divindade, que só se contenta com o sublime. A terra beija imóvel os meus pés, e inclino-me muito indignado para retribuir.
Tento me livrar dessa sedução que para mim é uma patologia, mas o homem morto fala comigo, não do fundo da terra, como seria de esperar, mas do coração das coisas. E usa para me reconquistar, sem qualquer critério e sem qualquer recato, o sublime e o rasteiro, a vertigem que é Francesco ou a letra de uma música que alguém pagou para ser escrita, Bach e Lost, Borges e Abba. Sua gentileza é de uma breguice sem confins, e basta para envelopar o mundo num céu e o céu num inferno, curando ao mesmo tempo em que devassa e faz arder. Ele não sabe se esconder e está em todo lugar: sua pele os descalços podem tocar, e até as crianças conhecem a sua nudez.
E quando me enfureço por estar seguindo um morto cuja carne nunca apertei e da minha experiência infinitamente distante, lembro de tudo que estava decidido por mim quando cheguei a este mundo – o significado das palavras, o enunciado das leis, as cercas do mundo natural, o arranjo das generosidades, as arbitrariedades dos méritos, a geografia das exclusões – e concluo que são essas coisas que deveriam nutrir-me a indignação e o ceticismo, não o apelo de uma carne como a minha, que treme nos rostos de todos que choram ao o meu redor e que está pronta para segurar de toda a queda e nutrir e embalar e mostrar o céu, com toda a terra da Terra.
Então me envergonho miseravelmente, por ter julgado que algo além da carne e do pó bastassem para abrigar a divindade, que só se contenta com o sublime. A terra beija imóvel os meus pés, e inclino-me muito indignado para retribuir.
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