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domingo, 5 de dezembro de 2010

Memória emocional da mulher - Claudia Gelernter



Memória emocional da mulher: o que elas e os homens precisam saber.

Em casa vez ou outra brincamos que se meu marido disser "eu te amo" cinco vezes na semana, em horários variados, eu saberei dizer, dali a trinta dias, em quais momentos ele repetiu esta frase, como estava vestido e qual entonação estava presente em sua voz.


Brincadeiras à parte, esta situação tem um fundo de verdade. No pequeno laboratório familiar, constatamos que, realmente, eu armazeno e resgato de forma mais efetiva as informações carregadas de teor emocional. É por este motivo que sempre repito: "Cuidado com o que prometes para mim".


A ciência já apresentou evidências robustas de que a mulher tem melhor memória emocional que o homem. Nelson Rocha de Oliveira, da Universidade de Brasília, replicando experimentos de outros cientistas, trouxe-nos em sua tese de doutorado "A memória emocional em homens e mulheres" (2009), preciosas informações sobre este assunto. Lançou várias perguntas e hipóteses, questionando se existe diferença no desempenho [entre homens e mulheres] da memória relacionada a estímulos carregados de carga afetiva. Aplicou em 131 pessoas diversos testes, tais como reconhecimento de figuras e palavras com bastante conteúdo afetivo e constatou, através de uma meticulosa análise dos dados obtidos, que a mulher tem melhor desempenho de memória do que os homens, apresentando um mecanismo de busca de memória mais extenso quando sob determinado estado de humor e quando o item a ser buscado tiver uma carga afetiva.


Sabemos que em nossa espécie, a mulher tem desenvolvido, com o propósito de melhor cuidar de sua prole, certas capacidades que a tornam diferente do homem, tanto do ponto de vista físico quanto emocional. Filogeneticamente, desde os tempos remotos, enquanto o homem seguia desenvolvendo sua capacidade de luta externa, objetivando a manutenção material familiar, nós mulheres, entre outras coisas, fomos aprendendo a identificar e compreender a mensagem emocional de nossos familiares, pois isso nos torna melhores cuidadoras destes. Daí nossa disposição acolhedora, nossa capacidade de ofertar cuidados específicos diante das necessidades subjetivas daqueles que convivem conosco. Talvez não seja por outro motivo [desconheço trabalhos científicos a respeito] que as salas de aula das graduações de Psicologia e Pedagogia apresentam um número bem maior de mulheres que de homens.


O que nos cabe pensar é que tais constatações implicam diretamente em diversas situações do cotidiano e que, portanto, será preciso analisar tais fatos com o propósito de tornar a convivência entre os sexos mais interessante, mais atraente e, porque não dizer, mais produtiva do ponto de vista evolutivo.


Quando não reconhecemos as diferenças na constituição emocional [eixo estrutural] do casal, idealizamos o outro, imaginando-o com capacidades que não possui e o desapontamento, a frustração que acaba por gerar conflitos nas relações interpessoais, pode vir a culminar, ainda, em separações ou ligações de ódio de longa data, comprometendo nossa jornada em direção à sabedoria.


Ninguém, em sã consciência, deseja sofrer. E o melhor antídoto anti-sofrimento é o conhecimento aliado à prática. Então, vamos lá!


Como nós mulheres conseguimos resgatar com minúcias as informações do fundo do baú da alma, freqüentemente nos julgamos traídas ou menos amadas do que em verdade merecemos ser. Por exemplo, se nosso companheiro num momento de romantismo comenta que no próximo ano iremos fazer uma nova lua-de-mel, com direito a Paris e Madri, sendo que o próximo ano chega, e o outro, e o outro e nada de viagem [e nem conversas a respeito], de duas uma: ou falamos insistentemente sobre sua falta de palavra [e nos sentimos traídas] ou silenciamos, ruminando a situação. Logo criamos a hipótese de que não somos amadas. "Se eu me importo com tudo o que ele fala, por que ele não dá a mínima para o que eu sinto e digo?"


Pode ser que não sejamos a prioridade emocional naquele momento da vida do companheiro, uma vez que outros estímulos externos competem diretamente conosco, com seus apelos imediatos, mas isso não indica ausência de sentimento. Não ser a prioridade emocional do momento não se traduz em desamor. Aliás, temos visto inúmeros casos em que diante da perda de uma mulher significativa, o homem pode chegar ao cume da loucura, por se tratar de um evento extremamente doloroso e de ocorrência atual.


Entretanto, mesmo que esta situação não expresse desamor, parece significar pouca capacidade de memória afetiva.


Se para o homem o carro desejado está nos planos do agora, sua capacidade reduzida de memória de longo prazo sobre itens relacionados à emoção não permitirá recordar a viagem ao exterior com a esposa, mesmo que, na época, esta promessa tenha sido recheada de carga afetiva, pois ficou no passado e já não é mais a prioridade emocional, portanto, algo que esteja instalado em seu banco de memória de curto prazo. [Isso vale também para datas especiais, incluindo o aniverário de casamento].


Compreendidas estas diferenças, precisamos ponderar. Primeiramente já sabemos sobre algumas das diversas peculiaridades do desenvolvimento humano, o que explica [em parte] os comportamentos por vezes tão diferentes entre os sexos.


Se ele fala e esquece e se ela ouve e guarda para sempre, existe um porquê, o que promove, de imediato, certa compreensão e, portanto, nos auxilia no desenvolvimento da paciência dentro da relação.
Aliás, o que já sabemos a respeito deste assunto não significa que a regra se aplique a todos. Trata-se de uma tendência que pode ser modificada pela experiência, educação e treinamento e que dependem de diversas circunstâncias ambientais, históricas e culturais.


Ambos os sexos possuem múltiplos potenciais que podem ser ativados e desenvolvidos em maior ou menor grau. Temos capacidade de desenvolver, por exemplo, através da vontade aliada à persistência, uma maior percepção dos eventos que trazem carga afetiva, dando a estes fatos um caráter de prioridade maior, conseguindo, assim, armazená-los e resgatá-los após longo tempo. Esta parte, seguindo nossa linha de raciocínio, caberia aos homens.


Quanto a nós mulheres, não devemos [e nem podemos] abrir mão desta capacidade de memória emocional que adquirimos ao longo dos milênios, entretanto devemos [e podemos] melhorar nossa capacidade de compreensão, perdão e empatia em relação aos homens, situando-os como companheiros que vêm realizando seu papel dentro de suas especialidades, carentes, assim como nós o somos, de novas vivências dentro da realidade do outro, para que haja, enfim, compreensão, boa vontade e harmonia.
Claudia Gelernter

publicado no Recanto das Letras em 08/10/2010
Código do texto: T2545666

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