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quarta-feira, 28 de julho de 2010

O Calvinismo segundo Entendo . AUGUSTUS NICODEMUS LOPES



Calvinistas estão entre as tradições religiosas mais mal compreendidas da história da Igreja. Sei perfeitamente que alguns deles fizeram por merecer. Há calvinistas que defendem suas convicções sem caridade, gentileza e sensibilidade para com quem diverge. Outros, não conseguem ouvir quem não seja calvinista. Não considero essas atitudes como intrínsecas ao calvinismo. As pessoas são assim porque lhes faltam domínio próprio e humildade, e não porque são calvinistas. Não há nada no calvinismo que exija que calvinistas sejam rudes, intransigentes, mal educados, excessivamente críticos e arrogantes.

Boa parte das acusações que têm sido feitas aos calvinistas, além de serem generalizações injustas, parecem proceder de uma falta de conhecimento adequado do que os calvinistas realmente acreditam. Como não falo por todos, vou dizer o que eu penso sobre alguns desses pontos mais polêmicos.

Para começar, o calvinismo não é um bloco monolítico. Há várias correntes dentro dele. Todas se vêem como legítimas herdeiras do legado de João Calvino, desde presbiterianos liberais até puritanos modernos. Considero-me um calvinista dentro da tradição teológica que elaborou e até hoje mantém a Confissão de Fé de Westminster, muito similar às demais confissões reformadas dos batistas, congregacionais, episcopais e reformados.

1 – Creio que Deus predestinou tudo o que acontece, mas não sou determinista. O Deus que determinou todas as coisas é um Deus pessoal, inteligente, que traçou seus planos infalíveis levando em conta a responsabilidade moral de suas criaturas. Ele não é uma força impessoal, como o destino. Não creio que os atos da vontade e da liberdade humanas sejam mera ilusão e que nossa sensação de liberdade ao cometê-los seja uma farsa, como o determinismo sugere. Eu acredito que as nossas decisões e escolhas são bem reais e que fazem a diferença. Elas não são uma brincadeira de mau gosto da parte de Deus. Os hipercalvinistas são deterministas quando negam a responsabilidade humana ou pregam a passividade dos cristãos diante de um futuro inexorável. Por desconhecer essa distinção, muitos pensam que todos os calvinistas são deterministas e que eles vêem o homem como um mero autômato.

2 – Creio que Deus é absolutamente soberano e onisciente sem que isso, contudo, anule a responsabilidade do homem diante dele. Para mim, isso é um mistério sem solução debaixo do sol. Não sei como Deus consegue ser soberano sem que a vontade de suas criaturas seja violentada. Apesar disto, convivo diariamente com essas duas verdades, pois vejo que estão reveladas lado a lado nas Escrituras, às vezes num mesmo capítulo e até num mesmo versículo! (Ex: Atos 2:23).

3 – Encaro a relação entre a soberania de Deus e a responsabilidade humana como sendo parte dos mistérios acerca do ser Deus, como a doutrina da Trindade e das duas naturezas de Cristo. A soberania de Deus e a responsabilidade humana têm que ser mantidas juntas num só corpo, sem mistura, sem confusão, sem fusão e sem diminuição de ambas.

4 – Creio que Deus predestinou desde a eternidade aqueles que irão se salvar e, ao mesmo tempo, oro pelos perdidos, evangelizo e contribuo para a obra missionária. Grandes missionários da história das missões eram calvinistas convictos. Calvinistas pregam sermões evangelísticos e instam para que os pecadores se arrependam e creiam. Se quiserem um bom exemplo, leiam O Spurgeon que Foi Esquecido, de Iain Murray, publicado pela PES. Nunca as minhas convicções sobre a predestinação me impediram de ir de porta em porta, oferecendo o Evangelho de Cristo a todos, sem exceção. Após minha conversão, e já calvinista, trabalhei como evangelista e plantador de igrejas durante vários anos, em Pernambuco.

5 – Creio que Deus já sabe, mas oro assim mesmo. Sei que ele ouve e responde, e que minhas orações fazem a diferença. Contudo, sei que ao final, através de minhas orações, Deus terá realizado toda a sua vontade. Não sei como ele faz isso. Mas, não me incomoda nem um pouco. Não creio que minha oração seja um movimento ilusório no tabuleiro da predestinação divina.

6 – Não creio que Deus predestinou todos para a salvação. Da mesma forma, não creio que ele foi injusto nem fez acepção de pessoas para com aqueles que não foram eleitos. Não creio que Deus tenha predestinado inocentes ao inferno, pois não há inocentes entre os membros da raça humana. E nem que ele tenha deixado de conceder sua graça a pessoas que mereciam recebê-la, pois igualmente não há pessoa alguma que mereça qualquer coisa de Deus, a não ser a justa condenação por seus pecados. Deus predestinou para a salvação pecadores perdidos, merecedores do inferno. Ao deixar de predestinar alguns, ele não cometeu injustiça alguma, no meu entender, pois não tinha qualquer obrigação moral, legal ou emocional de lhes oferecer qualquer coisa. Penso assim pois entendo que a Queda de Adão veio antes da predestinação na seqüência lógica (não na seqüência histórica) em que Deus elaborou o plano da salvação.

7 – Creio que Deus sabe o futuro, não porque previu o que ia acontecer, mas porque já determinou tudo que acontecerá. Por isso, entendo que a presciência de que a Bíblia fala é decorrente da predestinação, e não o contrário. Quem nega a predestinação e insiste somente na presciência de Deus com o alvo de proteger a liberdade do homem tem muitos problemas. Quem criou o que Deus previu? E, se Deus conhece antecipadamente a decisão livre que um homem vai tomar no futuro, então ela não é mais uma decisão livre. Nesse ponto, reconheço a coerência dos socinianos e dos teólogos relacionais, que sentiram a necessidade de negar não somente a soberania, mas também a presciência de Deus, para poderem afirmar a plena liberdade humana.

8 – Creio que apesar de ter decretado tudo que existe desde a eternidade, Deus acompanha a execução de seus planos dentro do tempo, e se comunica conosco nessa condição. Quando a Bíblia fala de um jeito que parece que Deus nem conhece o futuro e que muda de idéia o tempo todo, é Deus falando como se estivesse dentro do tempo e acompanhando em seqüência, ao nosso lado, os acontecimentos. É a única maneira pela qual ele pode se fazer compreensível a nós. Quem melhor explica isso é John Frame, no livro Nenhum Outro Deus, lançado pela Editora Cultura Cristã. Minha esposa teve o privilégio de traduzir e eu de prefaciar essa obra, a primeira em português a combater a teologia relacional.

9 – Creio que Deus é soberano e bom, mas não tenho respostas lógicas e racionais para a contradição que parece haver entre um Deus soberano e bom que governa totalmente o universo, por um lado, e por outro, e a presença do mal nesse universo. Diante da perversidade e dos horrores desse mundo, alguns dizem que Deus é soberano mas não é bom, pois permite tudo isto. Outros, que ele é bom mas não é soberano, pois não consegue impedir tais coisas. Para mim, a Bíblia diz claramente que Deus não somente é soberano e bom – mas que ele é santo e odeia o mal. Ao mesmo tempo, a Bíblia reconhece a presença do mal do mundo e a realidade da dor e do sofrimento que esse mal traz. Ainda assim, não oferece qualquer explicação sobre como essas duas realidades podem existir ao mesmo tempo. Simplesmente pede que as recebamos, creiamos nelas e que vivamos na cereteza de que um dia ele haverá de extinguir completamente o mal e seus efeitos nesse mundo.

10 – Estou convencido que o calvinismo é o sistema doutrinário mais próximo daquele ensinado na Bíblia, ao mesmo tempo em que confesso que ele não tem todas as respostas. Todavia, estou convencido que os demais sistemas têm menos respostas ainda. Leio autores das mais diferentes persuasões teológicas. Às vezes tenho sido mais desafiado e tenho aprendido mais com livros de outras tradições. Não deixo de ouvir alguém somente porque não é calvinista. Há calvinistas que não são assim. Contudo, é uma injustiça acusar a todos de estreiteza, sectarismo, obscurantismo e preconceito.

Espero ter deixado claro que um calvinista, para mim, é basicamente um cristão que tem a coragem de aceitar as coisas que a Bíblia diz sobre a relação entre Deus e o homem e reconhecer que não tem explicações lógicas para elas. Para muitos, esse retrato é de alguém teologicamente fraco e no mínimo confuso. Mas, na verdade, é o retrato de quem deseja calar onde a Bíblia se cala.

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[Este post é uma versão atualizada de "[Mais de] Cinco Pontos do [Meu] Calvinismo," postado aqui no blog em fevereiro de 2006 pela primeira vez. Achei que seria relevante republicá-lo diante da discussão entre os nossos comentaristas sobre calvinismo. Antes que perguntem: não, não mudei em absolutamente nada de lá para cá, continuo o calvinista de sempre...]
POSTADO POR AUGUSTUS NICODEMUS LOPES
blog O TEMPORA! - O MORES!
Agradeço pela permissão para publicar este artigo neste blog.

3 comentários:

  1. Amado irmão Iveraldo, Há alguns dias atrás o senhor me pediu que comentasse acerca deste texto do Dr. Algustus. A seguir transcrevo uma analise rasteira que fiz sobre ELE. Aqui comento sobre os dez pontos de uma forma critica, porém, respeitosa. Gostaria de deixar bem claro que eu sou um grande admirador do Rev. Augustus, assim como tenho notado que o senhor também é. Pois bem, vamos a analise:
    1 – A nossa predestinação a salvação eterna ocorreu após Deus nos conhecer em sua presciência. Ou seja, primeiro Ele nos conheceu, depois nos predestinou (Rm 8.28-29). Portanto, embora eu ame, respeite e admire profundamente ao Dr. Augustus tenho que fraternalmente discordar dele quando diz que Deus predestinou tudo o que acontece, e mesmo assim o homem continua sendo livre. O texto de Rm 8.28-29 diz claramente que primeiro Deus nos conheceu, depois nos predestinou. Note que em Ef 1.4-5 a nossa predestinação vem após a nossa eleição, e não o contrário.

    2 – Não vejo nenhuma dificuldade em ver Deus sendo a um só tempo soberano, onisciente e concedendo livre arbítrio aos seres humanos. A chave para esse dilema, a meu ver, é entender, ainda que de longe, a grandeza do amor de Deus. Pela sua própria natureza, o amor é vulnerável. Não lhe diminuímos a magnífica grandeza ou a soberania se cremos possível recusar seu amor e graça. A situação é diametralmente oposta. Em toda a Bíblia vemos um Deus soberano, cujo coração anseia que todos cheguem a Ele, mas não os obriga irresistivelmente a vir e cujo coração fica magoado com a recusa que lhe é oferecida (At 7.51; Is 65. 2,12; Jo 5.40; Rm 10.21; Hb 10.29) Na história do jovem rico temos um belo exemplo de alguém “amado” por Jesus, ouvindo o chamado divino e em seqüência, o rejeitando (cf. Mc 10.21-22). E nem por isso Jesus deixou de ser soberano.

    Continua...

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  2. 3 - Não sei se pareço simplista demais, mas entendo que o fato de Deus criar seres livres para fazerem suas próprias escolhas revela ainda mais a sua soberania e glória. Imagino-o feliz da vida vendo a Nova Jerusalém repleta de pessoas que estarão lá por um amor verdadeiro e não por que foram obrigadas, manipuladas, etc. Que gloria haveria em salvar fantoches?

    4 – Bom, se todos os calvinistas pensassem assim e agissem mesmo sem entender o porquê estão evangelizando, não haveria problema algum. Porém, é um fato indiscutível que as igrejas que seguem essa linha são extremamente tímidas quando o assunto é obra missionária (com raríssimas exceções), evangelismo, etc. Creio que a razão do Dr. Augustus fazer a obra é exatamente por ele ter decidido fazê-la apesar de não entender. Os calvinistas que agem estritamente pela razão, apenas estudam, estudam, estudam e jamais fazem a obra.

    5 – Concordo plenamente...

    6 – Discordo apenas da ultima frase que diz que nossa predestinação veio depois da queda de Adão. Discordo plenamente. Basta ler-mos textos como: Ap 13.8; 1 Pe 1.18-20. Aceitar que a predestinação veio depois é o mesmo que negar uma onisciência absoluta, e ainda, não considerar o que Deus diz nestes textos que citei acima.

    Continua...

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  3. 7 – Uma prova de que Deus “prevê” as coisas ao invés de pré-determina-las é o que Jesus diz em Mt 11.20-24. Jesus conhece não apenas “o que acontecerá”, mas até mesmo o que poderia acontecer. Outro texto interessante é 1 Sm 23.11-12 onde Deus declara a Davi que esta seria traído se ficasse com os homens de Queila. Note que esta foi uma possibilidade e não um fato determinado. Penso que seria uma desonestidade da parte de Deus se Ele determinasse tudo e depois viesse se gloriar de que conhece o fim desde o principio. É como se o produtor de um filme ficasse querendo apostar com a platéia do cinema sobre quem adivinharia o final do filme que ele mesmo escreveu. Que gloria há nisto?

    8 – Não creio que Deus tenha determinado as coisas, porém, assim como o Dr. Augustus tenho as minha duvidas. Creio na onisciência total de Deus, porém, não entendo como Ele se emociona diante de certos acontecimentos. Como pode Ele se emocionar se sabe de antemão “o que” e “como” iremos fazer determinadas coisas? Às vezes, atribuir-mos tudo isso a “linguagem antropomórfica” não resolve todas as duvidas.

    9 – Creio que a razão para a existência do mal seja o preço por Deus soberanamente ter decidido criar seres livres, sejam humanos ou anjos. Em ultima análise creio que jamais haverá uma resposta completa para esse enigma, mas acho que é mais ou menos por ai.

    10 – É lógico que o calvinismo possui mais respostas que o arminianismo. A razão é simples, eles têm muito mais tempo que os arminianos. Em breve, se Cristo tardar um pouco mais, as igrejas que seguem a linha de Armínio terão tido tempo suficiente para dialogarem em condições iguais com os calvinistas. Isso deve ser analisado sociologicamente.
    Espero ter podido corresponder as suas espectativas.

    Um abraço fraterno e, a paz do Bom Mestre!

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