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sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Fé e crença...




"Os crentes encontram encorajamento e certeza na presença de outros, dependem da certeza de que esses outros realmente acreditam, e assim têm o seu vazio existencial preenchido pela vida comunitária"

De um único verbo, crer, originam-se dois substantivos que representam ações radicalmente opostas: crença e fé. Porém quando quero usar uma forma verbal para expressar a minha fé tenho ainda de usar crer, a não ser que escolha uma fórmula ainda pior, ter fé.
A crença provê respostas a nossas perguntas, a fé nunca o faz. Cremos para encontrar segurança, solução, uma resposta para os nossos questionamentos. As pessoas creem para desenvolverem para si um sistema de crenças. A fé (a fé bíblica) é completamente diferente. O propósito da revelação é fazer com que ouçamos as perguntas, e não suprir-nos com explicações.
A fé, em primeira instância, é ouvir, como Barth tão frequentemente nos faz lembrar. A crença fala e fala, atola-se em palavras, interpola os deuses, toma a iniciativa. A fé requer um posicionamento inteiramente oposto: a fé espera, permanece atenta, colhe sinais, sabe o que fazer das parábolas mais delicadas; ela ouve pacientemente Toda crença é um obstáculo à fé. As crenças atrapalham porque satisfazem a nossa necessidade de religião.o silêncio até que o silêncio seja preenchido pelo que ela toma sendo a inquestionável palavra de Deus, palavra da qual se apropria.
A fé isola o indivíduo; a crença, (qualquer que seja, inclusive a cristã) ajunta pessoas. Na crença nos vemos unidos a outros na mesma corrente institucional, todos orientados em direção ao mesmo objeto de crença, compartilhando das mesmas ideias, seguindo os mesmos rituais, arrolados na mesma organização, quer seja religiosa ou social, falando o mesmo dialeto. A crença age como apaziguadora na sociedade, ela é a chave para o consenso que buscamos, o definitivo e há muito proclamado como necessário elemento essencial da vida comunal. A fé sempre trabalha de maneira exatamente oposta. A fé individualiza; ela é sempre e exclusivamente uma questão pessoal. Fé é o relacionamento pessoal com um Deus que se revela como uma pessoa. Esse Deus singulariza a pessoa, coloca-a à parte, e confere a cada pessoa uma identidade que não é comparável à de nenhuma outra. A pessoa que ouve a palavra de Deus é a única a ouvi-la; neste ato ela está separada das outras pessoas, e nele ela torna-se única – A fé pressupõe a dúvida, a crença exclui a dúvida.simplesmente porque o elo que liga esse indivíduo a Deus é único, exclusivo e inviolável. Trata-se de um relacionamento singular com um Deus único e absolutamente incomparável.
Deus particulariza, singulariza a pessoa a quem ele diz “eu te chamo pelo teu nome” (Isaías 45.4). A fé separa cada pessoa das demais e faz única cada uma delas. Na Bíblia a palavra santo significa separado, à parte. Ser santo é ser separado de todos os outros, é ser único em razão da tarefa que não pode ser desempenhada por nenhuma outra pessoa, tarefa que se recebe pela fé.
A fé pressupõe a dúvida, a crença exclui a dúvida. A fé não é o oposto da dúvida, a crença é. Os soldados da crença agem sem questionamento de acordo com a lei e os mandamentos. São inflexíveis nas suas convicções, não toleram a qualquer desvio. Na articulação de sua crença eles imprimem rigor e absolutismo ao extremo. Refinam incessantemente a expressão da sua crença e buscam dar a ela uma formulação intelectual específica num sistema tão coerente e completo quanto possível. Insistem na completa ortodoxia. Codificam rigidamente modos de pensar e de agir.
Os crentes encontram encorajamento e certeza na presença de outros, e têm o seu vazio existencial preenchido pela vida comunitária.Isso leva a um elevado grau de eficiência; o crente é uma pessoa que faz o que precisa ser feito, mas toda a sua atividade é, no fundo, vazia. Os crentes tem uma realidade própria tão pequena que só são capazes de viver e expressar essa realidade dentro de uma unidade convencionalmente estabelecida. São gente de ajuntamentos. Os crentes encontram encorajamento e certeza na presença de outros, dependem da certeza de que esses outros realmente acreditam, e assim têm o seu vazio existencial preenchido pela vida comunitária. Multiplicar o número de liturgias, compromissos e atividades dá aos crentes a completa satisfação; rodeados por isso tudo eles não tem necessidade de questionar a verdade ou realidade da sua própria crença: a atividade os mantém ocupados.
Nesse cenário a diversidade de crenças torna-se intolerável. A dúvida e as incertezas são radicalmente destrutivas para a crença, e em razão disso a crença não pode tolerá-las. A crença é inimiga da diversidade. A diversidade é sempre uma fonte de novos questionamentos e propicia um ambiente para a autocrítica. Diante da diversidade corremos o risco de nos depararmos outra vez com a dúvida. Para evitar esse inimigo a crença precisa ser e é de fato rapidamente transformada em senhas, ritos e ortodoxia.
“Eu creio; ajuda-me na minha incredulidade” (Marcos 9.24) são as palavras que resumem o que é a fé. A fé me constrange acima de tudo a avaliar o quanto não vivo pela fé – o quão raramente a fé enche a minha vida. A fé coloca à prova cada elemento da minha vida e do meu contexto social; não poupa nada nem ninguém. Ela é implacável em me levar a questionar todas as minhas convicções: cada uma das minhas moralidades, crenças e posições políticas. A fé me impede de atribuir significado definitivo a qualquer área da atividade humana. Ela me desprende e me livra do dinheiro, da família, do meu emprego e da minha capacidade intelectual.
A crença é confortadora.Ela é o caminho mais certo para me levar a admitir que a única coisa que sei é que nada sei. A fé não deixa nada intacto. A única coisa que a fé me traz é o reconhecimento da minha impotência, incapacidade e inadequação. 

Jacques Ellul

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3 comentários:

  1. Gracias por su interesante exposición.
    Le dejo mi ternura
    Sor.Cecilia

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  2. Que lindo texto!
    li todinho e " A fé só move montanhas se for centrada Nele" será que entendi a mensagem?

    eu amei este texto obrigada por compartilhar irmão. tenha um abençoado final de semana

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  3. Texto tremendamente edificante...
    Que Deus abençõe o autor e os irmãos que compartilham. Precisamos ter mais fé!

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