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quarta-feira, 28 de março de 2012

O Problema do Inferno



Por C. S. Lewis
O texto abaixo refere-se a trechos retirados do capítulo 8 do Livro “O Problema do Sofrimento” escrito por C. S. Lewis.
Somente a dor que pode despertar o homem perverso para uma noção de que nem tudo está bem, pode da mesma forma levá-lo a uma rebelião final e sem arrependimento, Foi admitido sempre que o homem possui livre arbítrio e que todas as concessões feitas a ele são, portanto de dois gumes. A partir dessas premissas segue-se diretamente que a obra divina de remir o mundo não pode ter certeza de êxito com respeito a cada alma individual. Alguns não serão remidos. Não existe doutrina no cristianismo que eu gostasse mais de remover do que esta se tivesse esse poder. Mas ela tem o pleno apoio das Escrituras e, especialmente, das próprias palavras de Nosso Senhor; foi sempre mantida pela cristandade, e está fundamentada na razão. Quando jogamos deve haver a possibilidade de perder o jogo. Se a felicidade de uma criatura se acha na auto-rendição, ninguém mais pode realizar essa rendição além dela mesma (embora muitos possam ajudá-la nesse sentido) e ela pode recusar. Eu estaria disposto a pagar qualquer preço para poder dizer sinceramente: “Todos serão salvos”. A minha razão, porém, replica: “Com ou sem o consentimento deles?” Se disser: “sem seu consentimento”, percebo imediatamente uma contradição; como pode o ato supremo e voluntário da auto-rendição ser involuntário? Se disser “com seu consentimento”, minha razão replica, “Como, se não quiserem ceder?”
Os sermões dominicais sobre o inferno, como fazem todos eles, são dirigidos à consciência e à vontade e não à nossa curiosidade intelectual. Quando eles nos despertam para a ação, convencendo-nos de uma terrível possibilidade, terão provavelmente feito tudo o que pretendiam fazer; e se o mundo inteiro fosse composto de cristãos convictos seria desnecessário dizer uma palavra sequer a mais sobre o assunto. Como as coisas se acham, porém, esta doutrina é uma das bases principais para se atacar o cristianismo como sendo bárbaro, e impugnar a bondade de Deus. Dizem- nos que se trata de uma doutrina detestável – e, na verdade, também a detesto do fundo do coração – e somos lembrados das tragédias nas vidas humanas que têm origem nessa crença. Quanto às demais tragédias resultantes do fato de não crermos na mesma, pouco se fala nelas. Por essas razões, e só essas, torna-se necessário discutir o assunto.
O problema não é simplesmente o de um Deus que destina algumas de suas criaturas à ruína final. Seria esse o problema se fôssemos maometanos. O cristianismo, leal como sempre à complexidade do que é real, nos apresenta algo mais intrincado e mais ambíguo – um Deus tão cheio de misericórdia que se torna homem e morre torturado para impedir a ruína final de suas criaturas e que, porém, onde falha esse remédio heróico, parece pouco disposto, ou até mesmo incapaz, de sustar a ruína por um ato de simples poder. Eu afirmei loquazmente pouco atrás que pagaria “qualquer preço” para remover esta doutrina. Mas menti. Eu não poderia pagar um milésimo do preço que Deus já pagou para remover o fato. Este é um problema real: tanta misericórdia e, ainda assim, existe o inferno.
Não vou fazer qualquer tentativa no sentido de demonstrar que a doutrina é tolerável. Não nos enganemos; ela não é tolerável. Penso, entretanto, que pode ser demonstrado que ela é moral, mediante uma crítica das objeções geralmente feitas, ou sentidas, em relação à mesma.
Primeiro, existe uma objeção, em muitas mentes, quanto à idéia de castigo retributivo como tal. Isto foi tratado parcialmente em outro capítulo. Dissemos então que todo castigo se tornaria injusto se as idéias de demérito e retribuição fossem removidas dele; e um núcleo de retidão fosse descoberto no’ próprio íntimo da paixão vingadora, na exigência de que o perverso não permaneça perfeita mente satisfeito com a sua maldade, que ela venha a parecer-lhe o que corretamente parece a outros – um mal. Eu disse que a dor finca a bandeira da verdade na fortaleza rebelde. Estávamos então discutindo o sofrimento que poderia ainda levar ao arrependimento. E se isso não acontecer – se nenhuma outra vitória além de enterrar a bandeira no solo jamais tenha lugar? Vamos ser honestos conosco mesmos. Imagine um homem que tenha ficado rico ou poderoso através de uma série contínua de traições e crueldades, explorando com fins puramente egoístas os sentimentos nobres de suas vítimas, rindo de sua ingenuidade; que, tendo alcançado assim o sucesso, faz uso dele para sua própria gratificação, cobiça e ódio e finalmente perde o último vestígio de honra entre malfeitores, traindo seus cúmplices e zombando de seus derradeiros momentos de desilusão desnorteada.
Suponhamos, ainda, que ele faça tudo isso, não atormentado pelo remorso ou mesmo apreensão, mas comendo como um adolescente e dormindo como uma criança saudável – um homem alegre, sadio, sem um cuidado no mundo. Confiante até o fim de que só ele encontrou a resposta para o enigma da vida, que Deus e o homem são tolos de quem se aproveitou, que seu modo de viver é completamente satisfatório, cheio de sucesso, inatacável. Suponhamos que ele não venha a converter-se, que destino no mundo eterno você consideraria adequado para ele? Será que pode realmente desejar que um indivíduo desse tipo, permanecendo como é (e ele deve ter capacidade para tanto se tiver livre-arbítrio), seja confirmado para sempre na sua felicidade presente – deveria ele continuar, por toda eternidade, a manter-se perfeitamente convencido de que a última risada será sua?

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