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quarta-feira, 24 de setembro de 2014

O Soldado e a Oração


Por
Josivaldo de França Pereira

O título editorial de Efésios 6.10-20 é a armadura de Deus, conforme as versões da ARA, ARC, NVI e BLH, entre outras.[1] Contudo, são nos versículos de 10 a 17 que o apóstolo Paulo fala da armadura de Deus de forma mais específica e detalhada.

 Nos versos 10 a 13 Paulo faz uma convocação geral aos membros da igreja de Éfeso para que sejam fortalecidos no Senhor e na força do seu poder, revestindo-se de toda a armadura de Deus, a fim de poderem ficar firmes contra as ciladas do diabo. A convocação é para uma batalha na esfera espiritual, pois, como o próprio apóstolo diz, “porque a nossa luta não é contra o sangue e a carne e sim contra os principados e potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal, nas regiões celestes”. E conclui: “Portanto, tomai toda a armadura de Deus, para que possais resistir no dia mau e, depois de terdes vencido tudo, permanecer inabaláveis”.[2]
Dos versículos 14 a 17, o apóstolo compara as peças de uma armadura grega ou romana com elementos da vida cristã, com ênfase não só na coletividade (todos os membros da igreja participando da luta), mas também na individualidade (cada crente assumindo seu posto no combate).  

Estai, pois, firmes, cingindo-vos com a verdade e vestindo-vos da couraça da justiça. Calçai os pés com a preparação do evangelho da paz; embraçando sempre o escudo da fé, com o qual podereis apagar todos os dardos inflamados do Maligno. Tomai também o capacete da salvação e a espada do Espírito, que é a palavra de Deus;

Em seguida (versos 18 a 20) o apóstolo fala da oração e, curiosamente, não a compara com nenhuma peça na armadura. Por que Paulo não associa a oração com partes da armadura (ou mesmo com a armadura toda) como fez com a verdade, a justiça, o evangelho, a fé, a salvação e a palavra de Deus? Há muito tempo ouvi dizer que a oração é o “óleo” que lubrifica a armadura de Deus. No entanto, as armaduras gregas e romanas (tendo em vista que Paulo as tinha em mente) não precisavam ser lubrificadas, visto que peças delas eram sobrepostas, porém, sem juntas ou dobradiças. Além disso, o soldado ficava com os braços e pernas livres para facilitar sua mobilização, ao contrário das armaduras medievais. Por fim, se o apóstolo desejasse comparar a oração com alguma coisa ou peça relacionada à armadura de um soldado, certamente ele o teria feito.
Paulo não liga a oração à armadura porque ela, a oração, diz respeito à pessoa e vida devocional do soldado cristão. Pouco adiantaria empunhar a espada se a mão que a segura estiver frouxa e sem forças. Do que serviria estar revestido de uma armadura se o coração que pulsa sob ela encontra-se acovardado? E para quê um capacete se quem estivesse debaixo dele fosse um “miolo mole”? O certo é que o soldado cristão deve tomar toda a armadura de Deus “com toda oração...”.
Nos tempos bíblicos um soldado pagão, antes e após a batalha dirigia suas preces aos seus ídolos. De acordo com Paulo, a oração deve fazer parte do antes, durante e depois da batalha espiritual do soldado cristão porque, contra tão grande inimigo (Satanás), nada pode fazer o soldado em sua própria força. Por isso, enquanto toma e coloca sobre si cada peça da armadura e faz uso dela, o soldado deve orar pedindo a bênção de Deus.[3]
Como deve ser o modo de orar do soldado cristão? Segundo Hendriksen,

O apóstolo destaca, em especial, que a comunhão do soldado com seu General – a comunhão do crente com seu Deus – não deve ser de uma única maneira. São muitos os que sempre estão pedindo coisas. Toda sua vida de oração consiste nisso. Entretanto, a oração – a primeira menção da palavra é no sentido geral – não deve incluir somente clamores de ajuda, mas também confissão de pecado, profissão de fé, adoração, ação de graças, intercessão. Ademais, a vida de oração deve ser definida, não somente dizer “Oh Senhor, abençoa a todo o que espera tua bênção”, o que é muito geral, mas “súplicas” ou “petições” por necessidades definidas, rogos por bênçãos específicas. Isto significa que a pessoa que ora deve ter conhecimento de situações concretas ao seu redor ou, pelo menos, não deve ficar limitada ao seu próprio horizonte reduzido, devendo conhecer as situações onde sua ajuda é necessária.[4]

Talvez não tenhamos em nenhum outro escrito do apóstolo Paulo uma ênfase tão grande na oração como a que se encontra em Efésios 6.18: “com toda oração e súplica, orando em todo tempo no Espírito e para isto vigiando com toda perseverança e súplica por todos os santos”. Nesse versículo, por quatro vezes o apóstolo utiliza as declinações da palavra grega pâs (toda... todo... toda... todos).[5]
Paulo não se contenta em dizer que devemos nos revestir ou tomar toda a armadura de Deus e simplesmente orar e suplicar, mas sim, que devemos fazê-lo com toda oração e súplica. Não é apenas orar no Espírito, mas em todo tempo no Espírito, ou seja, no poder e força do Espírito Santo sempre! (cf. Rm 8.26). Não diz que devemos vigiar somente com perseverança e súplica, mas com toda perseverança e súplica (cf. Lc 18.1; Rm 12.12; Cl 4.2; 1Ts 5.17). Não devemos orar apenas por nós mesmos ou por irmãos e irmãs que nos são mais achegados, porém, por todos os santos. O soldado cristão não deve lutar só por ele mesmo. Ele precisa socorrer seus companheiros de luta, isto é, orar por todos os seus irmãos que juntamente com ele participam da mesma batalha espiritual.[6]
  1. Assim, o apóstolo, não querendo ficar fora das orações da igreja, pede que os irmãos se lembrem dele em suas súplicas a fim de que, no abrir de sua boca, Deus lhe conceda a palavra para, com intrepidez, fazer conhecido o mistério do evangelho pelo qual ele estava preso e que, em Cristo, fosse ousado para falar como lhe cumpria fazer.[7]




[1] A versão usada aqui é a 2ª edição da ARA (Almeida Revista e Atualizada).
[2] Recomendo a você a leitura dos excelentes livros de Martyn Lloyd-Jones:O Combate Cristão O Soldado Cristão, nos quais o autor faz uma exposição completa e minuciosa de Efésios 6. 10-20. Ambos os livros são da editora PES.
[3] Cf. Guillermo Hendriksen, Comentário del Nuevo Testamento: Exposición de Efesios. Grand Rapids: SLC, 1984, p. 305.
[4] Idem, p. 305-06.
[5] Cf. Russel N. Champlin, O Novo Testamento interpretado versículo por versículo. Vol. 4. São Paulo: Hagnos, 2002, p. 648-49; Hendriksen, p. 305-07.
[6] Veja mais sobre batalha espiritual em: Mark I. Bubeck, O Adversário. São Paulo: Vida Nova, 1993; Augustus Nicodemus Lopes, O que você precisa saber sobre Batalha Espiritual. 5ª ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2012; David Powlison, Confrontos de Poder: Resgatando a verdade bíblica sobre a Batalha Espiritual. São Paulo: Cultura Cristã, 1999; David Searle, Na força do seu poder: Armando-se para a Batalha Espiritual. São Paulo: Cultura Cristã, 1998; Ray Stedman, Batalha Espiritual: Como vencer nossas lutas diárias contra Satanás e seus anjos. 2ª ed. São Paulo: Abba Press, 1995.
[7] Paulo faz um pedido semelhante em Colossenses 4.3,4.

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